O cigarro eletrônico, também conhecido por caneta narguilé, vaporizador, vape, e-cig, é um tema que tem gerado algumas polêmicas e opiniões divergentes, e parece difícil encontrar um conhecimento definitivo sobre ele. Mas algumas informações e reflexões podem ajudar a esclarecer as principais dúvidas.
1) Faz mal à saúde?
Ao utilizar um cigarro eletrônico, a pessoa está inalando o vapor de um líquido, normalmente o propilenoglicol, que pode ou não conter nicotina diluída ou alguma forma de flavorizante (para dar sabor). Esse líquido é transformado em vapor por um dispositivo do cigarro eletrônico chamado atomizador.
Quanto aos danos à saúde, sabe-se que três fatores importantes influenciam essa questão: a voltagem do e-cig, a qualidade do líquido utilizado e a presença ou não de nicotina nele.
Existem indícios de que quando o líquido é aquecido a uma tensão maior do que 5 volts, o cigarro eletrônico chega a produzir uma taxa de formaldeído (substância relacionada a problemas respiratórios e ao câncer de faringe) mais alta que a do cigarro comum.
Quanto à qualidade do líquido utilizado, como é um produto sem regulamentação e de comercialização proibida no Brasil, dificilmente existirá algum tipo de confiabilidade quanto ao seu conteúdo. A FDA (equivalente à Anvisa nos EUA) identificaram a presença de nitrosamina e dietilenoglicol, substâncias cancerígenas, em diversas marcas de e-cigs, incluindo marcas líderes de mercado. Também foi encontrada nicotina em líquidos supostamente sem nicotina. Isso em marcas norte-americanas regulamentadas.
Quando o líquido contém oficialmente nicotina, a utilização do cigarro eletrônico vai gerar as mesmas consequências causadas pela nicotina contida em um cigarro normal, que estão relacionadas principalmente à dependência, a problemas circulatórios e ao desenvolvimento de câncer (a nicotina sozinha não causa diretamente o câncer, mas favorece indiretamente seu surgimento).
2) O cigarro eletrônico vicia?
A substância presente no cigarro comum que gera a dependência orgânica é a nicotina, que pode ou não estar presente no líquido vaporizado pelo cigarro eletrônico. Portanto, a dependência orgânica sim pode acontecer quando o e-cig é utilizado com nicotina.
Por outro lado, sabe-se que a dependência do cigarro também está fortemente vinculada ao hábito de fumar e ao contexto em que ele é utilizado, independente da nicotina. Portanto, o cigarro eletrônico com nicotina tem sim potencial para gerar dependência física, enquanto que o utilizado sem nicotina tem mais chance de ter um uso frequente pela formação de um hábito do que pelo potencial adictivo da substância inalada em si.
3) Por que o cigarro eletrônico é proibido no Brasil?
O cigarro eletrônico é divulgado pelos seus fabricantes como um método alternativo para parar de fumar e completamente inofensivo, se comparado ao consumo de cigarros convencionais. Como não existem evidências científicas que comprovem essa suposta inocuidade e já foram encontradas substâncias prejudiciais em diversas amostras, alguns países como Brasil, Argentina, Colombia e Canadá não permitem sua comercialização.
4) O cigarro eletrônico funciona realmente para parar de fumar?
Uma das estratégias comprovadamente eficazes para parar de fumar é a combinação de terapia cognitivo comportamental, medicamentos e as terapias de reposição nicotínica, como os adesivos ou a goma de mascar de nicotina, cujo objetivo é liberar decrescentemente nicotina no organismo sem os malefícios do fumo.
O argumento do cigarro eletrônico como recurso para parar de fumar é de que ele também é uma forma de administrar nicotina ao corpo sem os malefícios do fumo e ainda permite que o fumante mantenha o hábito, que é um dos grandes obstáculos da cessação do tabagismo.
No entanto, há indícios de que a quantidade de nicotina consumida não é reduzida, o paciente continua tão dependente quanto antes e ainda mantém o hábito de fumar, cuja mudança é uma das metas do tratamento, ao contrário da argumentação favorável ao e-cig. Não é à toa que um estudo de 2013 apontou que quase 80% dos usuários do cigarro eletrônico continuaram a fumar cigarros comuns e outros estudos mostram que ex-fumantes, que tinham parado completamente de fumar cigarros comuns, voltaram a fumar, agora com cigarros eletrônicos.
Nos EUA, por exemplo, a promoção do e-cigarette como alternativa para parar de fumar acabou aumentando o consumo entre jovens, principalmente por transmitir uma imagem de “seguro” para a população adolescente. Segundo estudos norte-americanos sobre o tema, o cigarro eletrônico tem servido mais a fins de experimentação de adolescentes do que de cessação do tabagismo, como sugere seu argumento publicitário central.
5) Tem problema um adolescente usar um cigarro eletrônico sem nicotina?
Quando se discute o consumo de crianças e adolescentes de qualquer coisa não podemos deixar de lado os inúmeros interesses econômicos em torno disso.
São conhecidas as estratégias de publicidade que a indústria do tabaco utilizou para conquistar o público jovem, as propagandas que a indústria de bebidas alcoólicas dirigiu a esse mesmo público (disfarçadamente ou não), os produtos obviamente infantis (balas de goma, refrigerantes, doces) feitos de maconha em países como o Colorado, em que a maconha foi legalizada, entre outras ações menos óbvias de aproximar o público infanto-juvenil do consumo de substâncias psicoativas.
Quanto ao cigarro eletrônico, vemos em outros países e livremente na internet uma publicidade informal do e-cig, recheada de glamour, cheiros, cores e sabores, que conquistam facilmente a população adolescente.
Ignorando os potenciais prejuízos já discutidos, pode-se dizer que incentivar entre adolescentes o ato de inalar e soltar fumaça e de isso ser feito em grupo, em um provável contexto de “somos diferentes” ou “parecemos mais adultos por isso”, é uma forma de aproximá-los de um hábito que faz parte tanto do consumo de tabaco quanto de maconha.
Isso poderia ser análogo à antiga promoção de cigarros de chocolate para crianças e à atual existência de champagne de mentira para menores de idade ou ao fato de pais permitirem cerveja sem álcool para seus filhos adolescentes. Ações que vão inserindo o jovem em uma cultura de naturalização do consumo de algumas substâncias.
Não me impressionaria concluir que o crescente interesse dos adolescentes pela caneta narguilé (nome que tenho ouvido bastante entre adolescentes para o e-cig e que se associa a outra crença equivocada deles, de que o narguilé é inofensivo) esteja conectado com a busca de objetivos escusos da indústria do tabaco e da indústria canábica (da maconha). Consideremos que a utilização de e-cigs está aumentando mesmo com a proibição, e tem sido utilizado para vaporizar líquidos não apenas com nicotina, mas também com THC, princípio ativo da maconha.
Curiosamente, a principal forma de divulgação da nova moda do cigarro eletrônico tem sido a polêmica, com argumentos contraditórios e “pseudodados” que refutam qualquer ataque ou defesa a ele, assim como a publicidade informal glamourizada presente na internet. De modo muito parecido que aconteceu com a indústria do tabaco na época das primeiras descobertas científicas dos danos causados pelo tabagismo e da mesma forma que acontece atualmente com a maconha, que tem aumentado seus adeptos a partir dessas polêmicas.
Parece que apenas estamos vendo se repetir o triste fato de interesses econômicos se sobreporem completamente a qualquer possível interesse no bem comum.
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