A dependência química é uma DOENÇA.
Tem aqueles que discordam disso, mas considerá-la como tal tem sua razão e utilidade.
Primeiro, pelo próprio conceito de doença: “distúrbio das funções de um órgão, da psique ou do organismo como um todo que está associado a sinais e sintomas específicos” – a dependência química cumpre, sem dificuldades, os critérios para se enquadrar nesta definição.
Segundo, porque se ela é vista como doença isto indica, indubitávelmente, que precisa de TRATAMENTO especializado e não de sermões, surras, benzimentos, simpatias e afins.
Não considerá-la como uma doença é um dos principais obstáculos para o sucesso de um tratamento, pois a partir do momento que eu considero que o dependente usa drogas porque quer, porque é mau caráter, porque não se importa com aqueles que estão ao seu redor, eu não percebo que preciso levá-lo ao psiquiatra, eu não percebo que a volta da manipulação (sintoma da doença) indica provável recaída e que talvez seja importante rever a medicação, eu não vejo que a raiva que eu sinto por ele é infundada, pois ele está doente.
É como querer tratar um familiar com câncer tentando convencê-lo de que ele não deveria deixar que os tumores se espalhassem por seu corpo e cuidando dele com todo o carinho possível dentro de casa. Precisa levá-lo ao médico o mais rápido possível.
Ter SEMPRE claro que a dependência química é uma doença faz toda a diferença para que tanto profissionais quanto familiares consigam adotar uma postura e medidas adequadas para o tratamento.
O segundo aspecto que dificulta muito o sucesso da reabilitação do dependente químico é o fato de que os tratamentos normalmente são fragmentados, enquanto são diversos fatores que compõe a doença e que precisam ser abordados. Sempre dizemos que a dependência química é uma doença “biológica, psicológica, familiar, social e espiritual“.
Cada um dos fatores da doença precisa ser tratado para aumentar as chances de sucesso. Isto quer dizer que usar apenas medicação e psicoterapia, por exemplo, representa atacar 2/5 da doença. Trabalhar só com espiritualidade, representa 1/5. O ideal seria compor medicação, psicoterapia, acompanhamento familiar, mudanças sociais e um trabalho com espiritualidade, que poderia ser através de reuniões de AA ou NA, por exemplo.
Isto não quer dizer que um dependente não pode se reabilitar apenas mudando radicalmente os “amigos” e locais que frequenta (componente social) ou encontrando um novo sentido para sua vida (componente espiritual). Pode. Mas trabalhar com todos os fatores é uma questão de aumentar a probabilidade de sucesso.
Portanto, enquanto todos envolvidos na dependência química – familiares, amigos e profissionais – não a veem como uma doença, as chances de o tratamento ser trocado por medidas leigas e improdutivas aumenta. E se não conseguimos abranger pelo menos a maioria dos componentes da doença ao longo do tratamento, maiores as chances de insucesso.
Assim, já conseguimos ter pelo menos uma ideia da dificuldade de realmente se obter uma taxa satisfatória de sucesso nos programas de reabilitação.
São poucos profissionais que veem a questão realmente como uma doença e raríssimos familiares que desenvolvem esta consciência. Não fosse o bastante, tratamentos que consigam abranger toda a complexidade da doença através de uma equipe multidisciplinar capacitada ainda são uma espécie em extinção.
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