Há algum tempo que a odiada e querida maconha deixou seu status de simples planta para adquirir superpoderes e ser a maior geradora de controvérsias do reino vegetal.
Uns dizem que ela leva à ruína e outros que cura doenças, uns dizem que o usuário fica mais burro outros que ele fica mais criativo, uns dizem que ela é menos prejudicial que o cigarro outros que ela é tão perigosa quanto a heroína, uns que ela é a porta de entrada para drogas “mais pesadas” outros que ela só é porta de entrada se for da geladeira (por causa da larica).
Independentemente de quem tem razão ou não, uma coisa é inquestionável: hoje, a maconha é um ótimo negócio.
Dentre as drogas ilícitas ela é a número 1 do mercado, chegando a movimentar mais de 160 bilhões de dólares anuais. E está bastante à frente do segundo lugar, a cocaína, que movimenta cerca de 90 bilhões.¹
Mas nem sempre foi assim. O boom inicial do narcotráfico aconteceu com a cocaína.
E o que foi feito para que houvesse esta virada de jogo entre a maconha e a cocaína? Certamente não foi obra dos deuses ou do acaso.
Vamos pensar da seguinte maneira: O que você faria se fosse um suposto gerente de marketing da máfia e sua meta fosse transformar a maconha no carro-chefe do negócio, transformá-la em uma espécie de coca-cola do narcotráfico?
Haveria algumas limitações. Você não poderia veicular publicidade no rádio ou na TV, nem usar outdoors ou panfletagem. O fato de ela ser ilegal imporia estes limites à sua estratégia de marketing.
Um bom primeiro passo seria estudar o que já foi feito ao longo da história para aumentar as vendas de diferentes drogas. Alguns fatos interessantes lhe trariam inspiração.
O primeiro é que a grande disseminação do consumo da maioria das drogas que conhecemos ocorreu com a divulgação pública das suas propriedades medicinais.
O tabaco virou moda na Europa ao ser apresentado como a cura para inúmeras doenças, incluindo o câncer. A cocaína era o ingrediente secreto de diversos tônicos e xaropes, divulgados quase como poções mágicas. A heroína foi lançada pelo laboratório Bayer como um substituto menos nocivo da morfina e acabou “fisgando” um monte de gente de surpresa. A própria maconha ganhou popularidade na Europa com um livro que a receitava para reumatismo, convulsões, tétano e afins.²
O segundo fato é que as mais brilhantes e eficazes estratégias de promoção do cigarro surgiram após a indústria do tabaco ter sido desbancada por pesquisas que comprovaram os malefícios do fumo à saúde e ter sido proibida de veicular suas tão famosas propagandas no rádio e na televisão.
Frente a estas adversidades, ela criou um instituto de pesquisa para demonstrar que a questão sobre fumo e saúde ainda estava em aberto e que não havia nada cientificamente comprovado, e pagou para atores famosos aparecerem fumando nos filmes hollywoodianos – foi uma das pioneiras do merchandising na história. Com isso, o consumo de cigarros continuou a crescer exponencialmente.³
A partir destes fatos dá para ter uma ideia de algumas possíveis ações que transformariam a maconha no carro-chefe dos produtos do narcotráfico:
Um bom primeiro passo seria voltar a investir na divulgação das suas propriedades medicinais e investir em pesquisas que mostrem as possíveis utilizações benéficas da erva, deixando a questão sobre se ela faz mal ou não em aberto. Depois, poderia buscar uma forma de que artistas famosos apareçam fumando maconha e falando sobre ela em contextos divertidos e animados de filmes e clipes. Por fim, seria preciso criar uma polêmica que colocasse tudo isso na boca do povo, para que todos, de alguma forma, ouçam sobre as virtudes da erva. Daria para fazer isto discutindo sua legalização, valorizando a questão da liberdade de escolha, não?
Coincidências com a realidade?
O fato é que a maconha realmente assumiu o posto de carro-chefe do narcotráfico e conseguiu das pessoas uma atitude cada vez mais positiva, principalmente entre adolescentes, para quem as consequências do uso são as mais concretas e prejudiciais.
E os argumentos deles para justificar sua proximidade e afeto pela maconha são o que eles ouvem sobre a legalização, sobre a “maconha medicinal” e o que os seus ídolos falam. Sem falar nas inúmeras odes à maconha que eles veem na internet.
Os que se posicionam contra a erva ou contra os movimentos que a defendem são vistos como os caretas, conservadores, moralistas, que não valorizam ou respeitam a liberdade de escolha e de expressão.
Parece que está sendo criada (e nós mesmos estamos criando, ao fomentar algumas questões) uma cultura da maconha que estimula o seu consumo, tal qual a nossa cultura do álcool que nos faz pensar que encher a cara é natural e que quem não bebe não é homem.
Agora que já sabemos como aumentar as vendas de maconha, devemos nos perguntar: o que podemos fazer para que estas estratégias de venda não atinjam os jovens? Afinal de contas, queremos uma cultura com liberdade de escolha e de expressão, mas não queremos uma cultura em que seja natural um adolescente de 15 anos, ou menos, fumando maconha. Ou queremos?
Na próxima vez que quiser defender publicamente a liberdade de escolha através da maconha, pense se o resultado que você está conseguindo é promover a liberdade de escolha ou se é promover a própria maconha. O bilionário negócio das drogas agradece.
Referências
¹NETO, N. J. F. (2012) Estado, narcotráfico e sistema financeiro: algumas aproximações. Pós-graduação em Sociologia Política, UFSC. Tese mestrado.
²ARAUJO, T. Almanaque das drogas. São Paulo: Leya, 2014.
³Documentário “A epidemia do fumo” partes 1, 2 e 3
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