O filho estava tirando notas baixas na escola, não queria saber de estudar, estava andando com uma turma meio esquisita, não ajudava nada em casa, estava ficando mal-educado e começou a dar uma justificativa curiosa para não cumprir com seus deveres: vivia falando que tal coisa não era compatível com “nosso padrão”, que o “nosso padrão” era diferente, “nosso padrão” pra lá, “nosso padrão” pra cá, em casa e na rua.
A mãe já tinha cortado o videogame, a televisão, o computador, a mesada, e não tinha o que fizesse o filho mudar o comportamento. Ele sempre tinha uma desculpa, uma promessa ou qualquer coisa que pudesse adiar alguma possível mudança.
Em um dia inspirado (ou transpirado), esta mãe, já de ‘saco cheio’ daquela situação, reconheceu que o seu pavio tinha acabado, foi até o quarto do moleque, que estava lá deitadão comendo bolacha e, com uma expressão nunca vista antes por ele, falou:
“Você. Pra sala. Já. Vamos conversar.” Saiu do quarto e sentou na mesa de jantar pacientemente, com um olhar compenetrado, perdida em seus próprios pensamentos como se pudesse ficar ali por horas até que fosse o momento de cumprir com o que pretendia.
Não demorou muito, chega o filho com suas bolachas na mão, intrigado por aquele comportamento tão incomum da mãe.
“Senta.” – Disse ela.
O tom da voz fez com que o moleque sentasse como se não fosse dono do próprio corpo. E ela continuou:
– A situação é a seguinte. Tenho observado que tudo o que eu tenho feito até agora com você não adiantou. E estou com medo que você venha a sofrer muito na vida. Sabe, lá fora as coisas funcionam com uma matemática diferente da que você está acostumado. Lá, quando você dá 50%, o máximo que você recebe, com muita sorte, é 50%, mas normalmente vem menos, não dá para contar muito com a justiça lá de fora.
– E vejo que você, hoje, tem dado 50% ou menos do que você pode dar para a vida, e mesmo assim ainda está recebendo muito mais enquanto está aqui, morando comigo. Eu preciso te preparar para o mundo. Não quero ser uma má mãe e ser a responsável pelo teu sofrimento lá fora. Então, a gente vai ter que mudar algumas coisas aqui em casa…
O menino, inicialmente, pensou que era mais um sermão daqueles com os quais ele já estava acostumado e que tirava de letra. Mas um formigamento diferente percorria o seu estômago, indicando que havia algo desconhecido naquela situação, que ele não sabia dizer o que. Começou a ficar um pouco apreensivo.
– Pra começar – prosseguiu a mãe – quero que você saiba que não existe esse negócio de “nosso padrão” que você anda falando por aí. O padrão aqui é MEU e hoje você simplesmente acompanha o MEU padrão. Aceite isso.
Então pode ir cortando do seu vocabulário esse negócio de “nosso padrão”, porque ele não existe.
– Segundo, a partir de hoje, se você dá 50%, você vai receber 50%. De TUDO! De conforto, de comida, de regalias, de dinheiro, de tudo! Mas não se preocupe, porque eu não vou deixar você sem comer, não. O que eu quero dizer é que, sabe aquele bifinho com cebola que você adora? Não está nos seus 50%. Batatinha frita que você está acostumado a comer no almoço? Também não está. Pudim de sobremesa? Não chega nem perto. Nos seus 50% estão arroz, feijão, um bife de patinho para não faltar proteína e salada. Pode comer à vontade isso.
– Ah, mas não é só isso. Sabe a sua cama de casal, com colchão de molas, com pillow top duplo e sistema antirruído? Tsc, tsc. Agora é só 50%. Pode pegar aquele colchão de solteiro que está no quarto de empregada. Cama arrumada, roupa lavada e banheiro limpo? Lamento, mas seus 50% não incluem isto. A empregada já está avisada que estas funções não fazem mais parte do trabalho dela. Pode reservar um tempo para arrumar sua cama, lavar sua roupa e limpar o banheiro, isto é, se você fizer questão de usar roupas limpas e estar com o banheiro limpo. Senão também não precisa. Problema seu.
A mãe continuou elencando coisas que ele nunca imaginou não ter à disposição, afinal de contas, sempre teve tudo o que quis e não tinha nem ideia do que era ser privado de prazeres e confortos dados por ele como óbvios e naturais.
O garoto ficou aturdido com aquele papo, mas achou que a mãe só estava em um dia mais estressado que o comum e que aquela loucura toda passaria rápido.
Resolveu dar uma volta na quadra para arejar. Quando voltou, sua cama já não estava mais no quarto.
A mãe, impiedosamente, cumpriu com cada palavra dita e não cedeu nem 1% a mais do que correspondia à parte dele.
Dez dias depois, o menino, timidamente, bate na porta do quarto da mãe. Ela estava deitada, descansando após o almoço.
– Mãe, posso falar com a senhora?
– Claro filho, diga.
Ele, então, caiu em prantos, sentou ao lado da cama e, em meio a soluços e a um desespero nunca visto antes em seu rosto, disse:
– Eu não aguento mais! Eu quero voltar à minha vida normal! Já comecei a estudar, não estou mais saindo com aquela turma que a senhora não gostava e entendi que não existe “nosso padrão”! Prometo que minhas notas vão melhorar e que eu continuo arrumando minha cama, mas, por favor, deixa eu pelo menos voltar para minha cama antiga e fala para a Cida lavar minhas roupas! Elas já estão todas duras do sabão que usei! Por favor!
Conta essa mãe que, desde este dia, seu filho não é mais o mesmo. Que ele entendeu que “quanto você dá é quanto você recebe” e que isto também vale para dentro de casa.
Se fôssemos traduzir a mensagem por trás da ação desta mãe, ela poderia ser: “Filho, você é independente e capaz de ser merecedor das coisas que tem. Eu acredito em você.” Mas talvez isso pareça muita divagação. Melhor pensar que essa mãe deu sorte de ter tido o resultado que teve, sendo “tão cruel” como foi.
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