Legalizar, descriminalizar ou refletir?

Quando se fala em drogas, cada vez mais é inevitável cair na discussão sobre a legalização/descriminalização delas, especialmente da maconha.

A forma como essa discussão tem vindo atualmente ao público transmite a imagem de que o uso e a posse de drogas são vistos pela nossa legislação como um crime, tal qual um assalto, um sequestro ou um estupro. A atual legislação referente a drogas é criticada pelos defensores de novas políticas, que se utilizam de termos como “guerra às drogas”, “política proibicionista”, “uso de força e repressão” para reprovar o status quo, associando-o às políticas de drogas americanas dos anos 70.

Partindo dessa percepção da situação atual, os militantes das drogas bradam aos quatro ventos que a maconha deve ser legalizada, que a maconha deve ser descriminalizada, que todas as drogas devem ser legalizadas, que todas as drogas devem ser descriminalizadas e provavelmente outras variantes que desconheço dessa causa. E, como uma reação quase natural, aparecem os que estão do outro lado da luta, dizendo o contrário, que não se deve legalizar ou descriminalizar coisa nenhuma. Uma disputa aparentemente infinita.

Para analisar essas propostas de mudança, é importante primeiro apontar a diferença entre a legalização e a descriminalização das drogas.

LEGALIZAÇÃO X DESCRIMINALIZAÇÃO

A legalização de uma droga ilícita corresponde a começar a tratá-la da mesma maneira como hoje tratamos o álcool e o tabaco, ou seja, passa a ser legal vender, comprar, usar e portar a droga, ela passa a ser tributada e são definidas as restrições de venda, como idade e locais. Os argumentos favoráveis a essa opção seriam o maior controle sobre a compra e a venda das drogas, os tributos gerados pelo novo negócio e o golpe que isso seria no crime organizado.

Diferente da legalização, a proposta de descriminalização não legaliza o uso e a posse de drogas, mas propõe que eles sejam tão ilegais quanto estacionar em vaga proibida, furar o sinal vermelho ou atrasar a devolução de um livro na biblioteca pública. O uso e a posse continuam sendo ilegais, mas passíveis de uma sanção civil, não penal. Assim como acontece na Califórnia, em Massachussets e em Portugal em que os usuários de drogas são punidos com uma multa e obrigados a passar por profissionais incumbidos de dissuadi-los do uso.

Os argumentos favoráveis a essa medida são a eliminação da estigmatização do usuário como criminoso e dos prejuízos causados ao indivíduo por uma passagem pelo sistema penal, além de contribuir para a educação e mudança de comportamentos do usuário.

SOBRE A DESCRIMINALIZAÇÃO

Não parece que toda essa conversa de repressão, proibicionismo e estigmatização do usuário tenha realmente a ver com nosso atual panorama legislativo. O artigo 28 da Lei de Tóxicos (11343/06) diz que:

“Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”

Em outras palavras, de acordo com a lei, quem é pego usando ou portando drogas deverá ser educado sobre o uso de drogas e seus efeitos e deverá demonstrar sua utilidade à sociedade através de serviços comunitários.

Portanto, legalmente não existe essa coisa repressiva que pune e estigmatiza o usuário.

E na prática, sejamos sinceros, vemos nas ruas jovens fumando maconha e até usando outras drogas despreocupadamente, vemos a polícia fazendo vista grossa a locais conhecidos por serem um antro de uso de drogas, vemos lojas vendendo escancaradamente todo tipo de artefato para cultivo e consumo de maconha e estamos agindo cada vez com mais naturalidade quando presenciamos esse tipo de coisa.

Onde está aquela política proibicionista e repressiva, que estigmatiza o usuário e o exclui da sociedade, que é tão criticada pelos defensores da descriminalização? Na verdade, as drogas já estão descriminalizadas e só a segunda parte da descriminalização, que inclui multa, educação aos usuários e serviços comunitários, não está sendo cumprida.

SOBRE A LEGALIZAÇÃO

A grande pergunta sobre a legalização é “para quê?”. Para diminuir a criminalidade? Para recolher mais impostos? Para aumentar o controle sobre a compra e a venda?

Diminuir qual criminalidade? A que vemos em nossa política, com corrupção e desvios bilionários? A da lavagem de dinheiro realizada por pessoas de grande poder social que lucram com o tráfico de drogas? Ou a do traficante que faz atrocidades com seus dependentes devedores? Vamos recolher mais impostos para cobrir o furo causado pela corrupção? Vamos controlar a compra e a venda de drogas assim como controlamos o acesso dos adolescentes a bebidas alcoólicas?

Talvez legalizar ou não legalizar as drogas não seja um bom caminho para cumprir com os objetivos do Direito de “preservar a sociedade e proporcionar o seu desenvolvimento”. Talvez estejamos colocando nossa atenção no lugar errado.

Os efeitos concretos dessa luta entre os que são a favor ou contra a legalização acabam sendo a publicidade da droga, aproximando cada vez mais pessoas do consumo. Objetivos como diminuir a criminalidade, prevenir os prejuízos decorrentes do uso de drogas e diminuir os índices das dependências químicas não serão atingidos pelo status legal das drogas. Existem outros fatores, como educação, ações de prevenção, cuidados da família, que concorrem muito mais para esses objetivos.

Talvez o que realmente queremos com relação às drogas não seja oferecido por medidas legais tanto de repressão quanto de liberação. Talvez o que queremos tenha mais a ver com o ser humano do que com as drogas. Talvez.

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