Após algumas conversas com pessoas que me procuraram para saber o que fazer com um familiar dependente de drogas, resolvi escrever os cinco pontos que sempre estão presentes nessas conversas. Acredito que eles podem ajudar a dissolver parte daquela escuridão completa que é sentida quando se está frente a frente com o problema das drogas.
1) Dependência química não se resolve com conversa, com emprego, com namorada, com benzimentos ou com surras. E não passa com o tempo.
Como uma doença (e é assim mesmo que ela deve ser entendida), a dependência química deve ser tratada em um local especializado, por profissionais capacitados. O maior desafio da família do dependente é abrir mão de querer cuidar dele como acha que tem que ser e seguir 100% as orientações do profissional a quem devem confiar o caso. Quanto mais tempo demora para iniciar um tratamento, mais a doença se instala. Se a família não sabe o que fazer, a primeira coisa é buscar um psiquiatra especialista em dependência química, ir conhecer alguns locais para internamento e ir se capacitando sobre o tema.
2) O tratamento da dependência química DEVE incluir medicação.
O papo de que “não adianta trocar uma droga por outra” é balela. As drogas alteram o funcionamento do cérebro e a medicação serve para reequilibrá-lo. A função da medicação é controlar a fissura do dependente pela droga e tratar os prováveis transtornos psiquiátricos apresentados pelo dependente. Pedir para que o dependente pare de usar drogas sem medicação é análogo a um médico dizer que um paciente não pode ir ao banheiro e não colocar-lhe uma sonda. Ele vai sofrer muito com essa exigência e não vai conseguir cumpri-la. Sem falar que a grande maioria dos casos de dependência química apresenta alguma comorbidade psiquiátrica, seja depressão, TOC, transtorno bipolar, esquizofrenia ou outra que, se não for medicada, dificulta muito a recuperação do dependente. A ausência de medicação é apenas uma das coisas que favorecem a recaída.
3) A família precisa se capacitar sobre o tema para não ser mais um obstáculo no tratamento.
Parece absurdo, mas é isso mesmo. A família sem capacitação mais atrapalha a recuperação do dependente do que ajuda. Isso acontece devido ao fenômeno da codependência, que leva os familiares a organizarem suas vidas em torno da dependência do sujeito se tornando, de certa forma, dependentes da dependência dele. A família precisa primeiro entender o papel dela no tratamento e, se mesmo assim não conseguir promover a mudança necessária, precisa de acompanhamento profissional para desfazer os padrões codependentes que se formaram a partir da relação com o dependente químico. Enquanto a codependência não for quebrada, é muito difícil para o dependente se recuperar. Essa dificuldade das famílias nos levou a escrever um livro sobre codependência, visando à capacitação dos familiares do dependente químico.
4) Todos que convivem com o dependente químico estão em risco, sim!
Normalmente, a família tende a minimizar os riscos e a gravidade do uso de drogas do dependente, pois o “filhinho querido” jamais poderia fazer algum mal real à família. Mas se esquecem de que ele está doente e que o “filhinho querido” não existe desde quando ele começou a usar drogas. Por uma questão cerebral, a dependência química grave leva o dependente a fazer QUALQUER COISA pela droga, inclusive roubar a própria família, oferecer sua irmã para o traficante, agredir seus pais, entre outros absurdos. Sem falar que o traficante normalmente sabe onde o dependente mora, o que tem na casa dele, quem mora com ele, o que seus pais fazem, e não vai hesitar em recorrer à família quando alguma dívida dele não estiver sendo paga. Vale lembrar que o uso de drogas, quando não interrompido, vai evoluir para a dependência grave e chegará o ponto de ele fazer qualquer coisa pela droga. Portanto, nunca é uma boa ideia adiar o início do tratamento. Normalmente, o verdadeiro “filhinho querido” é reencontrado após um tratamento adequado.
5) Tudo que o dependente químico faz ou fala (principalmente para a família) é manipulação.
Manipulação é um sintoma da doença. Todos que desenvolvem a dependência química se tornam manipuladores e isso não tem nada a ver com a índole do sujeito. Tudo o que o dependente fala ou faz que renova a esperança da família de que a situação vai passar naturalmente ou que lhes gera medo, pena e culpa, impedindo-os de tomar alguma providência concreta, faz parte da manipulação. Na dúvida, sempre é mais proveitoso partir do princípio de que aquela história triste, o arrependimento, a busca repentina por ajuda fazem parte da manipulação. Vale ressaltar que o dependente químico realmente acredita nas coisas que está falando e enquanto alguém não quebrar sua manipulação ele seguirá usando drogas. Por isso dizemos que a manipulação é um sintoma da doença e não do doente.
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