Você, pai ou mãe, já se perguntou o que fazer ou onde buscar ajuda para os problemas de comportamento que seu filho apresenta?
Essa é uma questão que atormenta todos os pais.
E a resposta vai totalmente contra o senso comum e contra nossos primeiros impulsos.
É um caminho bem contra-intuitivo. Mas no final do texto você vai ver que faz todo o sentido.
Um amigo me pediu esses dias uma indicação de psicólogo para seu filho de 4 anos.
Ele estava com dificuldade de atenção, a escola tinha chamado os pais para se queixar de alguns comportamentos dele, e estava muito desobediente.
Pensei muito antes de responder. Na verdade, não consegui nem responder na hora. Disse que ia pensar e que depois conversávamos.
Na minha cabeça começou a passar um monte de coisa.
A primeira delas foi uma citação de Jung sobre os sintomas de crianças serem reflexo dos problemas dos pais:
“A criança se encontra de tal modo ligada e unida à atitude psíquica dos pais, que não é de causar espanto se a maioria das perturbações nervosas verificadas na infância devam sua origem a algo de perturbado na atmosfera psíquica dos pais.”
Isso já é uma coisa que me faz pensar duas vezes antes sugerir colocar uma criança na terapia.
A segunda foram relatos que ouvi durante minha formação em terapia sistêmica sobre as consequências para a criança quando ela vai recebendo o rótulo de “o problema da família”.
Quando os pais mandam um filho individualmente para a terapia, a mensagem é:
Você é quem está com um problema e nós estamos te incentivando a melhorar. É o máximo que podemos fazer.
E a criança passa a ser quem tem o problema. E se isso se repete ao longo do tempo, ela começa a acreditar nesse rótulo.
Se torna o bode expiatório da família. Onde todos os problemas são depositados.
Aí entra aquele conceito de profecia autorrealizável.
“Eu acredito que sou o que tem problema, então começo realmente a ter problema.”
Mas o caminho não precisa ser esse.
Se a gente considerar um pouquinho, apenas um pouquinho…
Que estrutura tem um criança de 4 anos para carregar o peso de ter um problema do qual os pais não dão conta?
A gente precisa jogar essa responsabilidade nas costas da criança assim de primeira?
Os pais, com sua posição na família e maturidade, não poderiam assumir, pelo menos em um primeiro momento, a responsabilidade pelo problema do filho?
Jung diz outra coisa bonita sobre isso:
“Será de grande utilidade para os pais saberem considerar os sintomas de seu filho à luz de seus próprios problemas e conflitos. É dever dos pais proceder assim.”
Se o filho está apresentando alguma dificuldade, se perguntem primeiro o que vocês podem melhorar e vejam se não melhora o filho também.
Acredito tanto nisso, que até quando meu filho começou a ficar gripadinho com muita frequência (tinha um ano e meio), sentei com minha esposa e nos perguntamos “o que está acontecendo com a gente que ele está assim?”
E pudemos repassar e ajustar várias coisas da nossa relação que tinham ficado para trás. Contribuímos para um grau maior de harmonia dentro de casa.
Às vezes estamos tão envolvidos em nossos problemas, que não os enxergamos.
Achamos que está tudo certo, enquanto eles vão corroendo aqueles que mais amamos.
Sei que a maioria dos pais não são psicólogos e não tem a menor obrigação de pensar dessa forma.
Mas nesse texto eu quero ajudá-los com alguns elementos para avaliarem nesses casos.
O casamento dos pais é a estrutura fundamental da família.
“Toda boa terapia familiar acaba derivando para terapia de casal.”
Lembro que essa frase me marcou ao longo da minha formação em terapia sistêmica.
Sim, casamento feliz, família feliz.
Quando o casamento vai mal, e o casal não consegue lidar com isso entre eles, a coisa acaba espirrando para os filhos.
Não tem como evitar.
Por mais que queiram racionalizar e justificar que não tem nada a ver, é inevitável.
É como tentar segurar água com as mãos em conchinha sem poder molhar o que está embaixo.
E aí podem acontecer várias coisas.
A mãe vai compensar na relação com o filho sua carência e insatisfação com o casamento.
O pai vai se distanciar, para que a mãe não o atormente e fique com seu filho.
O casal pode começar a usar o filho para mandar mensagem um para o outro. Sem se dar conta disso, é claro.
A mãe não deixa uma coisa, o pai vai escondido e dá para o filho. Ou o filho apronta alguma e a mãe descobre, mas não fala para o pai.
A irritabilidade dos pais se direciona para o filho na forma de broncas e brigas sem sentido.
E por aí vai… São inúmeras formas.
Só para você ter uma ideia de que realmente não dá para vedar o casamento dos filhos.
Porque o casamento impacta diretamente nas funções que tanto homem quanto mulher desempenham como pais.
A função materna e a função paterna
Vale à pena definir essas funções para que todo esse jogo familiar fique mais claro.
A função materna é nutrir, é suprir, é acolher.
Função materna é fazer pelo filho.
É o que o recém nascido precisa na sua totalidade. Que façam tudo por ele e que cuidem totalmente dele.
Função materna tem a ver com sacrificar-se em função do crescimento do outro.
No início é o sacrifício da mulher para se tornar mãe.
Depois é o sacrifício da mãe para o retorno da mulher e para o surgimento da função paterna.
Afinal, as necessidades dos filhos vão mudando com o tempo.
Uma boa mãe é aquela que sabe a hora de morrer em função. Ou seja, que sabe quando deve deixar de exercer seu papel materno e voltar a ser mulher.
Gaiarsa tem uma frase brilhante sobre isso:
“A primeira obrigação da mãe é ser feliz”.
Enquanto ela não conseguir atingir a própria felicidade como mulher, ela vai representar algum tipo de carga para o filho.
Se ela quer a felicidade do filho, precisa se dar como modelo disso.
Isso é tão importante que escrevi um livro com um colega sobre o assunto, que chama Por Trás da Aparência Singela de Mãe.
Já a função paterna é um pouco mais difícil de explicar.
É aquela função que realiza o corte no cordão umbilical que une o filho à mãe.
Filhos que não tem a função paterna acabam passando a vida com o cordão umbilical intacto.
Faz parte dessa função ajudar a mãe a retornar para o papel de mulher e empurrar o filho para o papel de adulto.
Uma metáfora da função paterna está na Odisséia, de Homero:
Hermes orienta Ulisses a se preparar para quando ele encontrar com Circes, uma figura matriarcal. Diz que quando a avistar, ele precisa levantar a espada.
Função paterna é levantar a espada. É a presença que organiza. É autoridade.
Função paterna não é violência. E função paterna também não é ser amigo.
Não é nem atacar com a espada, e nem deixá-la na bainha.
Simplesmente levantá-la.
A função paterna é saber estabelecer limites firmes e claros. Função paterna exige hierarquia, exige respeito.
O movimento ideal dessas funções formam um gráfico muito interessante.
Um gráfico que mostra que a soma das duas funções sempre dá 100 até o final da adolescência.
No início, precisa de 100 de função materna e 0 de função paterna. A criança precisa basicamente que tudo seja feito por ela.
A criança cresce um pouco e surge a necessidade da função paterna, afinal ela começa a precisar de alguns limites simples.
Ao mesmo tempo isso só pode acontecer se diminuir a função materna. Afinal o bebê já não precisa mais que façam absolutamente tudo por ele.
Na Adolescência, precisa de 90 de função paterna e 10 de materna.
É aquela fase da vida em que o filho precisa de um empurrão para a maturidade.
E quando chega na idade adulta não precisa de nenhuma nem outra. Já pode se relacionar de igual para igual com os pais. Adulto para adulto.
Isso é uma referência ideal, mas podemos falar sobre o extremo oposto, disfuncional desse gráfico.
A disfunção materna e paterna
Ambas as funções podem apresentar suas disfunções.
E as disfunções sempre dizem respeito
- À falta; ou
- Ao excesso.
No caso da função materna, a principal disfunção é a diferença entre cuidar e sufocar.
Quando a função materna é em excesso, o filho acaba sendo infantilizado e tratado pela mãe como se nunca tivesse crescido.
Quando a função materna está em falta acontece a negligência.
Em ambos os casos o filho recebe constantemente mensagens de desqualificação.
No caso da função paterna as disfunções poderiam ser representadas, na imagem de Homero, tanto pelo ataque com a espada (excesso) quanto por mantê-la na bainha (falta).
Tanto a violência quanto a omissão são disfunções paternas.
O pai que agride e o pai que só argumenta e não faz nada são igualmente disfuncionais.
O pai amigão, que se exime de dar limites porque quer que o filho goste dele, também é.
O extremo dessas disfunções é comumente observado nas famílias que possuem um membro que tem problema com drogas.
Uma família onde a função materna não diminui com o tempo e a função paterna não aparece.
E como se chega a isso?
A história dos papéis na família
Quando homem e mulher se apaixonam e decidem se casar, eles criam um vínculo muito forte entre eles.
Com o tempo, eles podem sentir que uma família não está completa sem filhos. E, seguindo a ordem bíblica, “crescei e multiplicai-vos”, decidem ter um filho.
Quando o filho nasce, muda totalmente a dinâmica da família. Tanto no nível prático e organizacional quanto no nível emocional.
A ligação homem – mulher desaparece.
Na verdade, o próprio homem e a mulher desaparecem na família. Se transformam nas figuras de pai e mãe.
E a distribuição dos vínculos também muda totalmente. O vínculo mais forte agora é da mãe com o filho. E o pai se torna uma figura meio periférica na relação.
Isso é natural para esse começo.
Mas é dever da família transformar essa dinâmica conforme o filho cresce.
Com o tempo, e o aumento da autonomia do filho (não é mais completamente dependente dos pais), deve ir ressurgindo a figura de homem e mulher, junto com a de pai e mãe.
O vínculo da mãe com o filho deve enfraquecer.
O vínculo entre o casal deve se fortalecer.
E o do pai com o filho deve se fortalecer.
Formando um triângulo mais equilibrado, tendo como ligação mais potente a do casal.
A função paterna precisa aparecer para que a materna diminua e permita essa mudança essencial para a saúde da família.
O extremo da disfunção acontece quando essa dinâmica inicial não muda.
O tempo passa e segue o super vínculo mãe-filho, o pai continua uma figura periférica e as figuras de homem e mulher não ressurgem no casal.
Isso gera um triângulo invertido – o que Eduardo Kalina, psicanalista gênio das adicções, chamou de o pacto perverso.
O filho fica no topo da hierarquia, sustentado pelo vínculo com a mãe, em aliança com ela, excluindo o pai.
E o pai, nesse pacto, age como descreve Kalina:
“É como se o marido dissesse: mulher, aí tens um filho para entreter-te, de modo que não me importunes, e eu farei vista grossa a toda exploração que faças dele.”
E, então, o papel de homem para esse marido normalmente ressurge na forma de algum tipo de vida paralela.
Seja com amantes, com jogo, com álcool, com excesso de trabalho, com negócios secretos ou qualquer outra forma possível.
Só que o filho não tem estrutura emocional para dar conta desse lugar de poder na hierarquia da família e de ficar no meio da relação dos pais.
E aí surgem os sintomas. Dentre o mais marcante dessa dinâmica estão as dependências (adicção).
Impacto na psicologia dos filhos
As funções desempenhadas pelos pais impactam de frente as características psicológicas dos filhos.
A função materna deve ser apenas suficiente. Nem demais nem de menos.
E uma função materna suficiente é responsável pela base emocional do filho.
Essa base vai permitir que o filho desenvolva um bom sistema digestivo emocional.
Nossa mente funciona de forma semelhante ao nosso sistema digestivo.
As comidas que damos conta são processadas e se transformam em nutrientes.
Mas quando:
- o estômago não está legal,
- a comida está contaminada ou
- comemos em excesso
Vamos ter uma indigestão e nosso corpo vai querer se livrar do alimento através de diarreia ou vômito.
Assim acontece com as emoções.
Normalmente as emoções que vivemos são processadas por esse sistema digestivo emocional e se transformam em nutrientes emocionais.
É o que nos faz crescer, aprender com as experiências, amadurecer ao longo da vida.
Quando vivemos emoções que nosso sistema digestivo emocional não dá conta, ele vai precisar se livrar delas de alguma forma.
Vomitá-las à sua maneira.
E algumas das possibilidades dele se livrar dessas emoções são:
- Delinquência
- Transtornos mentais
- Adicção
São todas situações em que a pessoa não está conseguindo lidar com/digerir suas próprias emoções.
Por quê?
Porque o sistema digestivo emocional dela não deu conta do que viveu e não pode permanecer em contato com essas emoções.
Qual é a saída?
Precisa ou fortalecer o sistema ou fragmentar essa emoção, mastigá-la intelectualmente para que o sistema possa dar conta de digeri-la aos poucos.
E a função materna é o que vai oferecer a base para o desenvolvimento desse sistema digestivo emocional.
Enquanto a função paterna vai construir em cima dessa base.
A função paterna é responsável pela maturidade, pelo desenvolvimento desse sistema digestivo.
Se a função paterna não entra em jogo, mas apenas a função materna, a estrutura emocional permanece primitiva, não desenvolvida.
E uma estrutura desenvolvida tem a ver com dois aspectos principais:
- Lidar com frustrações
- Adiar o prazer
Com esses elementos, a estrutura emocional está formada e o sistema digestivo emocional está bem capacitado para digerir a maior parte das emoções que a pessoa irá viver ao longo da vida.
Isso tem tudo a ver com os futuros problemas com drogas
Claude Olievenstein, famoso psicanalista francês, especialista em adicções, diz que uma pessoa precisa cumprir duas principais condições para se tornar dependente de drogas:
- O contato com a droga
Isso é óbvio. Ninguém nunca conheceu um dependente que não teve contato com drogas.
Mas apenas o contato com a droga não leva necessariamente à dependência. E a segunda condição é
- Estabelecer uma relação com a transgressão da lei
Como ele é psicanalista, ele usa lei no sentido psicanalítico e não jurídico.
Lei, nesse caso, seria tudo aquilo que nos impede de sair por aí satisfazendo todos os nossos desejos a qualquer momento.
Em outras palavras, respeitar essa lei significa ter a capacidade de lidar com frustrações e de adiar a satisfação.
Portanto, o adicto carece dessa capacidade, que é desenvolvida pela função paterna.
Aí está a importância dos pais tanto na prevenção quanto no tratamento de problemas relacionados a drogas.
E não devemos excluir outros problemas desse raciocínio.
Afinal, é o desempenho suficiente das funções materna e paterna que dão as condições emocionais para que o filho se desenvolva como pessoa.
E para isso, os pais precisam trabalhar juntos, pois as funções sempre vão somar 100. Se uma precisa aumentar, a outra vai ter que diminuir.
E essa composição só é viabilizada pelo reencontro das funções de homem e mulher na relação do casal, que permite o equilíbrio daquele triângulo de vínculos.
Importante: isso não é só para filhos pequenos. A regra também vale para o tratamento de filhos que estão usando drogas.
Resumindo a ópera
O investimento no casamento é imprescindível para um bom desempenho das funções parentais, o que vai impactar diretamente no desenvolvimento dos filhos.
Grave na memória:
- Cuide do casamento como se a vida do seu filho dependesse disso. Porque na verdade depende.
Acha impossível? Busque uma terapia de casal com um bom profissional. Alguém capacitado com certeza irá enxergar possibilidades que quem está imerso na situação não enxerga.
- Cuide de seu aprimoramento pessoal.
Faça cursos de auto-aprimoramento, estudos e práticas na área da espiritualidade, faça terapia / análise para se conhecer melhor, ou o que quiser. Mas invista em si mesmo.
Uma mulher feliz é uma boa mãe e esposa. Um homem feliz é um bom pai e marido. E não o contrário.
- Se quiser procurar ajuda diretamente para seu filho, procure terapia familiar. Considere como primeira opção que o problema esteja na família e não só no filho.
- Se nada funcionar (o que é muito difícil), a última opção é encaminhar o filho para avaliação e acompanhamento individual.
Um adendo especial.
O elemento chave para isso funcionar é disponibilidade.
Se os pais estão pensando “já tentamos tudo, não adianta. Nada funciona” é sinal de falta de disponibilidade.
Não tem como alguém ter “tentado tudo”.
Pode não ter disponibilidade para realmente buscar uma alternativa. Aí não adianta ir buscar para provar que tem razão.
Vai descobrir que tem.
Outra versão da profecia autorrealizável.
PS. Vou adorar saber o que você pensa sobre isso… fique à vontade nos comentários!
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